‘Pior do que viver com HIV é não saber que vive com o vírus’, alerta infectologista

  • 01/12/2025
(Foto: Reprodução)
‘Pior do que viver com HIV é não saber que vive com o vírus’, alerta infectologista Mais de 40 anos depois do primeiro caso de HIV no Brasil, o país vive um paradoxo: tem uma das maiores ofertas de tratamento e prevenção do mundo, mas ainda registra altos índices de infecção entre jovens e crescente diagnóstico tardio. No mundo, as reduções nos investimentos internacionais preocupam as autoridades. Enquanto a maior promessa em termos de medicação preventiva e injetável ainda não está disponível no SUS, o número de infectados aumenta e médicos alegam que a população tem menos medo do vírus. Já após o diagnóstico, a necessidade de ingestão diária de medicação oral representa um dos gargalos para o tratamento contínuo e ininterrupto. No dia mundial de combate ao vírus, o g1 faz um balanço dos avanços, desafios e perspectivas para o futuro, a partir de dados do Ministério da Saúde, da UNAIDS e de entrevistas com infectologistas. 🌎 🚨 Atualmente, 40,8 milhões de pessoas vivem com HIV em todo o mundo e 9,2 milhões ainda não têm acesso ao tratamento. Em 2024, ocorreram 1,3 milhão de novas infecções no planeta, segundo a UNAIDS, Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids. Atualmente, 40,8 milhões de pessoas vivem com HIV em todo o mundo Adobe Stock 🇧🇷 O Brasil apresentava, até 2025, mais de 1 milhão de pessoas identificadas com o vírus. Este ano, houve mais de 46 mil novos casos no país, um aumento de 4,5% em relação ao ano anterior. Dados do Ministério da Saúde mostram que 70,7% dos casos notificados desde 2007 são em homens. Em 2023, a razão de sexos chegou ao maior nível da série histórica: 27 casos em homens para cada 10 em mulheres. A epidemia também segue concentrada entre os mais jovens: 23,2% dos casos acumulados foram registrados entre pessoas de 15 a 24 anos; em 2023, 40,3% dos casos entre homens ocorreram na faixa de 20 a 29 anos. A desigualdade racial também aparece de forma consistente. Em 2023, 63,2% das novas infecções foram entre pessoas negras (49,7% pardas e 13,5% pretas). Entre mulheres, o impacto é ainda maior: 64,2% das notificações ocorreram entre negras. Para cumprir a meta global de eliminação da aids como problema de saúde pública até 2030, o país precisa acelerar estratégias de diagnóstico, tratamento e redução de novas infecções. Menor sensação de risco e aumento de infectados “O número de infectados vem aumentando porque as pessoas não veem risco em adquirir o HIV. E mesmo quem adquire acha que ninguém morre de Aids por causa dos medicamentos incomparavelmente melhores do que no passado”, afirma a infectologista Gisele Gosuen, da UNIFESP/EPM e Coordenadora do Comitê de Comorbidades da Sociedade Brasileira de Infectologia. Medicamentos de longa duração estão entre as maiores promessas Os médicos são unânimes em destacar que a eficácia das tecnologias injetáveis de prevenção de longa duração – o cabotegravir e o lenacapavir - estão entre as maiores promessas para o combate ao vírus. O cabotegravir, aprovado pela Anvisa em 2023, está disponível no setor privado no Brasil desde agosto de 2025. Este medicamento representa a primeira forma de profilaxia pré-exposição (PrEP) de longa duração contra o vírus no país, aplicada por via intramuscular a cada dois meses. Mas o custo é alto: R$ 4 mil por dose. Atualmente, o SUS oferece medicamentos para a PrEP sob a forma de comprimidos, que devem ser tomados diariamente. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) avalia a inclusão da forma injetável da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) de longa duração no SUS. Para especialistas em saúde pública, medicações como essa podem ser um divisor de águas e inaugurar uma nova fase da prevenção ao HIV. Modelos epidemiológicos indicam que, se adotado em larga escala, o cabotegravir poderia prevenir até 385 mil infecções até 2033. Já o lenacapavir, que pode ser aplicado duas vezes ao ano, ainda não foi aprovado no Brasil. Ao g1, a farmacêutica Gilead Sciences afirmou que o pedido de registro do lenacapavir já foi submetido à Anvisa e encontra-se em análise pelo órgão regulador. No momento, não há previsão de data para a conclusão desse processo. Além de o cabotegravir e o lenacapavir ainda não estarem disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), Gosuen alerta que, em um primeiro momento, este tipo de medicação deve ser usado para a prevenção e não para o tratamento de quem vive com o vírus. A importância do diagnóstico precoce com o autoteste Gosuen destaca ainda a importância do teste rápido para o diagnóstico precoce e lamenta não ver muitas iniciativas que estimulem este teste ao longo do ano, assim como campanhas de conscientização sobre a infecção. “Paramos de falar de HIV/Aids e é como se a infecção não existisse mais. Você pode se deparar com uma pessoa bonita, aparentemente saudável e não imaginar que ela tenha o vírus”, diz. O autoteste é oferecido gratuitamente pelo SUS e pode ser comprado na farmácia. O indivíduo coleta a sua própria amostra de fluido oral ou sangue e o resultado sai em questão de minutos. O teste pode ser feito na unidade de saúde ou em casa. Nas unidades de saúde, os agentes orientam os pacientes sobre o tratamento após o resultado do autoteste, que pode ser feito em cabines individuais. Os pacientes têm garantidos a privacidade, o sigilo e a confidencialidade. “As pessoas precisam saber que podem morrer de aids, principalmente quando não sabem que têm o HIV. Pior do que uma pessoa viver com HIV é ela não saber que vive com o vírus. Porque aí ela só vai descobrir quando já estiver muito doente, com Aids avançada e muitas vezes a gente não consegue retroceder, iniciando o tratamento tardiamente”, destaca Gosuen. Atualmente, quem é diagnosticado precocemente consegue viver com o vírus com qualidade de vida, assim como quem não tem o vírus, se seguir o tratamento com antiretrovirais diários administrados por vira oral, de forma adequada. O autoteste é oferecido gratuitamente pelo SUS e pode ser comprado na farmácia Adobe Stock CFM recomenda que médicos peçam testes sorológicos, mas não detalha a periodicidade Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) de 2016 recomenda que médicos, independentemente da especialidade, verifiquem nas consultas se seus pacientes realizaram testes sorológicos para sífilis, HIV, hepatites B e C, e vacinação, no caso da hepatite B. Caso os testes ou a vacinação não tenham sido realizados, o médico deve orientar o paciente sobre a necessidade, a oportunidade ou a conveniência de sua execução. Mas a recomendação do CFM não fala em periodicidade para a realização destes testes e, na prática, muitos pacientes com o vírus do HIV passam por diversos médicos antes de suspeitarem da infecção. Gosuen destaca, inclusive, que muitas mulheres descobrem o HIV no momento do parto porque não fazem o pré-natal adequadamente. O cansaço da medicação diária A médica alerta que um dos maiores gargalos para o tratamento contínuo e ininterrupto é a necessidade de tomar medicação todos os dias, que leva a cansaço e esquecimentos. Das mais de 1 milhão de pessoas identificadas com o vírus até 2025, 4% nunca foram vinculadas a qualquer serviço de saúde. Das que foram vinculadas, 1% não retirou a medicação para iniciar o tratamento com antiretroviral. Das que iniciaram tratamento, 13% não deram continuidade. Os demais diagnosticados foram vinculados a uma unidade de saúde e estão em tratamento contínuo. Pacientes com carga não detectável e detectável Pacientes em tratamento que conseguem ter o vírus indetectável por um período de seis meses podem até mesmo não transmitir o vírus em caso de sexo desprotegido, desde que mantenham o tratamento corretamente e que não tenham interações medicamentosas. O uso de remédios para outras enfermidades combinado com os antiretrovirais pode levar a essas interações. Vacinas também podem interferir na carga viral. Elas devem ser recomendadas às pessoas que vivem com HIV, desde que os pacientes recebam orientações médicas adequadas quanto ao momento para receber a vacinação. Depois de serem vacinadas, as pessoas que vivem com HIV devem esperar um mês para realizar o exame de carga viral. Já pessoas que vivem com HIV/Aids que não estão em tratamento ou possuem carga viral detectável podem transmitir o vírus a outras pessoas. UNAIDS destaca reduções no financiamento internacional Apesar dos avanços da medicina no combate ao vírus, as reduções nos investimentos internacionais e o estigma preocupam autoridades. Este ano, o número de países que criminalizam a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo e a expressão de gênero aumentou pela primeira vez, desde 2008, segundo a UNAIDS. As reduções no financiamento internacional e a falta de solidariedade global causaram um choque nos países de baixa e média renda com mais incidência de HIV, destaca relatório divulgado pelo órgão na última semana. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que a assistência externa à saúde deverá cair entre 30% e 40% em 2025 em comparação com 2023, o que deve causar interrupções ainda mais graves nos serviços de saúde em países de baixa e média renda. Os serviços globais de prevenção — que já estavam sob pressão antes da crise — foram os mais afetados. Entre esses serviços, estão reduções significativas no acesso a medicamentos para prevenir o HIV (profilaxia pré-exposição, conhecida como PrEP) e quedas acentuadas na circuncisão médica voluntária para prevenção do HIV. Confira outros destaques do relatório da UNAIDS: Em 2024, havia globalmente 570 novas infecções por HIV todos os dias entre mulheres jovens e meninas com idades entre 15 e 24 anos. O fracasso em atingir as metas globais para o HIV de 2030 da próxima Estratégia Global para a AIDS pode resultar em 3,3 milhões de novas infecções por HIV entre 2025 e 2030. Apesar dos desafios, muitos países tentam suprir as lacunas de financiamento. Nigéria, Uganda, Costa do Marfim, África do Sul e Tanzânia comprometeram-se a aumentar os investimentos nacionais para serviços de HIV. O apelo da UNAIDS pela expansão do lenacapavir Entre os apelos da UNAIDS às lideranças globais, está a expansão e aceleração para implementar o lenacapavir, de forma a atingir rapidamente 20 milhões de pessoas,, além de licenciar mais empresas para produzir o medicamento em escala, a fim de reduzir ainda mais os custos. O medicamento tem potencial para prevenir milhares de novas infecções em locais de alta incidência. Em 2024, um estudo publicado na revista científica "New England Journal of Medicine (NEJM)" mostrou que o antirretroviral apresentou uma eficácia geral de 100% na prevenção do HIV em mulheres. Em um estudo posterior feito ainda em 2024 com 3.265 pessoas de diferentes gêneros, apenas dois voluntários que fizeram uso do remédio contraíram a doença. Dados apresentados na 25ª conferência internacional sobre a Aids, na Alemanha, em 2024, e publicados no NEJM mostraram que o antirretroviral lenacapavir tem uma eficácia geral de 100% na prevenção da infecção pelo HIV-1 - responsável por quase todas as infecções de HIV no mundo. Por isso, a Unaids afirma que o medicamento oferece uma esperança de acelerar os esforços para acabar com a Aids como ameaça à saúde pública até 2030 - meta que faz parte da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU. O medicamento custa cerca de US$ 40 mil por pessoa, por ano. Em junho, a FDA, a Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos, aprovou o medicamento para prevenção ao HIV-1. No Brasil, o lenacapavir ainda não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Outros destaques sobre o HIV no Brasil Veja outros destaques dos números de diagnóstico, tratamento e óbitos no Brasil, de acordo com o Painel Integrado de Monitoramento do Cuidado do HIV/Aids do Ministério da Saúde de 2024: O número de óbitos por complicações ligadas ao vírus nos últimos 10 anos diminuiu em torno de 33% no Brasil. No ano de 2023, o número de óbitos por Aids foi de 10.338; desses, 63,0% se deram entre pessoas negras (48,0% em pardos e 15,0% em pretos) e 34,9% entre pessoas brancas. A razão de sexos revela que ocorreram 21 óbitos entre homens para cada dez óbitos entre mulheres. De 1980 a junho de 2024, foram registrados 1.165.599 casos de aids (diagnóstico tardio) no Brasil, com uma média anual de 36 mil novos casos de 2019 a 2023. Desse total, 66,3% ocorreram em pessoas do sexo masculino. Após uma redução nos registros de Aids, acentuada em 2020 devido à pandemia de covid-19 (Brasil, 2023a), observou-se um aumento a partir de 2021. Entre 2022 e 2023, o número de casos cresceu 2,5%, indicando um retorno aos níveis observados no período pré-pandêmico. Regiões Norte e Nordeste registram os maiores aumentos Os estados com maiores taxas de diagnósticos em 2023 foram: Roraima (41,5) Amazonas (32,5) Pará (26,2) Santa Catarina (25,8) Rio Grande do Sul (24,4) As capitais com maior detecção foram Boa Vista (50,4) e Manaus (48,3). Saiba mais sobre HIV/Aids A Aids é uma doença causada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV, na sigla em inglês), que invade e enfraquece o sistema imunológico, responsável por proteger o corpo contra doenças. O HIV atinge principalmente os linfócitos T CD4+, modificando o DNA dessas células e se replicando. O vírus destrói os linfócitos e continua a infecção em novas células. A transmissão pode ocorrer por meio de: relações sexuais sem proteção compartilhamento de seringas contaminadas ou de mãe para filho durante a gravidez e a amamentação, caso não sejam adotadas as medidas preventivas necessárias. A maneira mais eficaz de prevenir o HIV é a prevenção combinada, que utiliza várias abordagens simultâneas para atender diferentes necessidades e formas de transmissão. A PrEP é uma das principais formas de prevenção do HIV. Comprimidos são tomados (PrEP diária e sob demanda) antes da relação sexual, o que permite ao organismo estar preparado para enfrentar um possível contato com o HIV. Se você teve uma situação de risco, como sexo desprotegido ou uso compartilhado de seringas, faça o teste de HIV. Se a exposição ocorreu há menos de 72 horas, procure informações sobre a Profilaxia Pós-Exposição ao HIV (PEP). LEIA TAMBÉM: O que é a remissão do HIV e por que é tão difícil se curar do vírus? 'É preciso voltar a falar de preservativo', diz mulher que pegou HIV do marido e convive com o vírus há 30 anos OMS recomenda lenacapavir injetável para prevenção do HIV Cabotegravir: medicamento injetável para terapia pré-exposição pode mudar prevenção do HIV no país; custo ainda é obstáculo

FONTE: https://g1.globo.com/saude/noticia/2025/12/01/dia-mundial-combate-aids-avancos-desafios-perspectivas-virus-infectologista.ghtml


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